domingo, 1 de maio de 2011

Nosso cotidiano


Solitário, na rua deserta, o transeunte vai. Cantarola um samba do Benito Di Paula. De seu sorriso frívolo, a sensação de paz com a vida, na tarde que se vai pelas entrelinhas do sereno que chega. Seus vencimentos, fruto de duas semanas de árduo trabalho na construção civil, cujo suor lhe escorrega todas as vezes que levanta o pesado fardo de cimento às costas, estão no bolso.

Passa no bar, experimenta um gole da “geladinha” e, de posse do cigarro, projeta-se em direção à casa. Pensa com seus botões: o que devo comprar à Margarida? Uma camiseta? Mas ela já tem duas, compradas na liquidação da loja da doca mês passado. Ah, sim! Um sapato. E para Helena e Suely? Suely, a mais nova, faz anos na semana que vem, e é preciso comprar o material do bolo de aniversário.

Pega uma garrafinha de xarope de guaraná, e o material. Tudo fica arranjado. Tudo bem. Uma pasta escolar à Heleninha, e à Suely uma merendeira, a tão cobiçada da loja da esquina. Como vêem, tudo arranjado. Só falta combinar com a “patroa”. E ele caminha.

A lua está se escondendo. Os primeiros pingos de chuva de inicio de noite, anunciam com gestos taciturnos os desvios climáticos. Colchões de espuma e nuvens densas já estão tomando a forma compacta e a cor pluvial.

Cruza o transeunte solitário a primeira esquina, e eis que tudo acontece de repente: apenas dois minutos são suficientes para destruir a vida de um trabalhador. Rápidos, baixos, grosso, os assaltantes roubaram os bens do pobre transeunte e acabaram com sua vida, sem deixar pistas.

As trevas provisórias da noite já se dissiparam e infiltraram os primeiros clarões do dia. A casa em pânico; as mulheres desesperadas pela tragédia que se abateu sobre a família, que não tem como se manter. O homem agora é corpo estendido no asfalto, esperando a boa vontade da Polícia Técnica. O assalto foi cumprido e consumado. A viúva, agora, está amargando e experimentando a sua viuvez, juntamente com duas filhinhas que entram agora para o “debut” da orfandade paterna. O futuro, para elas, que moram na periferia, é incerto. Talvez uma vá se “iniciar” na prostituição. Outra,quem sabe, tenha a oportunidade de trabalhar como empregada doméstica.

A manchete do jornal estampa, na ultima página, o fato ocorrido... e a vida continua.

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