sexta-feira, 15 de abril de 2011

Amores subterrâneos de uma cidade morena


Em cada esquina de Macapá um rastro de história. Em cada praça um pouco das lembranças que ficaram nas reminiscências. A Praça Veiga Cabral, por exemplo, era a São Sebastião, e mesmo não tendo evento algum em janeiro, era o logradouro presença viva com seu pelourinho, colocado ao lado da bicentenária catedral de São José que, por ironia da história, teve nas argamassas de suas pedras as imposições da mão-ecrava.

Os açorianos chegaram aqui nos idos de 1750, como primeiros colonizadores. Eles se fixaram em um local que hoje já não mais pertence à cidade: Igarapé da Fortaleza, em Santana. Lá, sobre os escombros do Forte de Santo Antonio, idealizaram Macapá e plantaram as primeiras sementes de colonização, tendo como testemunhas as ruínas do forte.

Macapá experimentou, assim, os elementos iniciais de uma cidade morena, presenciando a passagem dos lendários Tucuju que vieram do sul do Pará, fixando residência às proximidades da Lagoa dos Índios, onde viveram por várias décadas.

A cidade também viu passar, nos seus primeiros anos de lactência, o grande Orellana à margem direita do Amazonas, e assim o local passou a se chamar Nueva Andaluzia, em homenagem à terra natal do navegador espanhol.

No inicio do século ela deu guarida aos primeiros atritos políticos, após ter vivenciado os conflitos cabanos. A Revolução Macapaense, onde debutaram fanáticos como Aureliano de Moura, e os conflitos isolados envolvendo Teodoro Mendes e Manuel Buarque, foram alguns movimentos que quebraram o silêncio da pacata vila.

Na contemporaneidade a cidade virou Cinderela, através da lavra poética de Aracy Mont’Alverne. O Igarapé das Mulheres – onde as senhoras e as moças iam lavar a roupa – passou a ter também outras lavagens. Aí as notícias do lado feminino corriam, e eram complementadas por outras que chegavam com os canoeiros que vinham da região das Ilhas do Pará, e as repassavam à população.

Os cavalheiros dispunham, por sua vez, do Clip Bar, em frente ao Merca do Central onde, entre mingau de café e outro de aguardente, contemporaneizavam os fatos, e toda a cidade se contagiava das novidades.

Surge o Macapá Hotel, local cativo da mocidade que ali se encontrava nos finais de semana. Os amores subterrâneos começam a emergir na superficilidade das pedras do quebra-mar, que lavou, muitas vezes, as primeiras experiências de delírio íntimo da mocidade. A esse tempo o “titio” Alcy já tinha trocado de cais, adotando Macapá como porto seguro.

As ondas do mar amazônico contagiavam e tamborilavam no movimento musical de Walkyria Lima e Mestre Oscar, que musicalizavam as mensagens poéticas dos artistas locais. Mestre Waldemiro Gomes, com suas sereias e botos, estava a enfeitar o imaginário popular do caboclo.

O “Jornal Falado E-2”, da Rádio Difusora de Macapá, passou a ser a âncora dos noticiários locais, onde Pedro Silveira, Edivar Mota, Edna Luz,José Machado, Terezinha Fernandes e Carlos Garibaldi, entre outros, dividiam audiência.

Quem não teve oportunidade de se deliciar do gostoso tacacá de dona Bebé e dona Lucy? Qual foi a família macapaense que, até aos anos 50, não teve membro nascido das mãos de Mãe Luzia ou Vó Guardiana?

Nas doenças da população o mestre Sacaca era o médico popular, que dividia sua sabedoria empírica com o seu reinado de Momo, para fabricar suas famosas garrafadas.

As piadas do Genésio ainda têm sabor brejeiro, e ficarão imortalizadas através do imaginário popular, assim como o amor nativista e patriótico do tenente Pessoa. No calçadão do canal da Mendonça Junior ainda sentimos a presença do dr. Ivanildo Pessoa, o advogado dos pobres e das meninas desamparadas que exerciam seu trabalho no Bar Caboclo.

O professor José Benevides lecionava latim para os padres velhos e língua portuguesa para os padres novos, do Pime. Dom José Maritano divide agora a preferência popular com Dom Aristides. O cais da doca da Fortaleza deu passagem ao quebra-mar, onde até hoje os passeios vespertinos e noturnos acontecem.

Tudo isso agora é saudade submersa, que agora são reminiscências subterrâneas dos bons tempos desta cidade morena.

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