sábado, 2 de abril de 2011

Sobre a Felicidade


Já disse Kant muito acertadamente, que o homem só pode pensar com as noções de tempo e espaço. Podemos acrescentar que as noções de corpo e existência também são necessárias. É talvez, devido a essa disposição peculiar de nossa mente, que tentamos tantas vezes objetivamente resolver muitos problemas puramente objetivos. E uma das questões mais mal enfocadas é, sem dúvida, a que chamamos felicidade.

Todos pensam na felicidade quando pensam numa coisa em si (nôumenon), enfim, uma coisa existente por si mesma, independente de julgamentos. É lógico que não existiria esse termo se não houvesse alguém que dele falasse, ou mesmo se não existisse nenhum “ser”. São os atributos e não as coisas que qualificam uma existência. Assim, parece-nos que a felicidade é uma coisa que nos falta... é um atributo que nos completa.

Não devemos procurá-la; devemos transformarmo-nos para tê-la. Essas reflexões ocorrem quando vemos a situação atual da humanidade. Para muitas pessoas, entre elas muitas que podemos classificar de racionais, felicidade é dinheiro. Esse modo de ser e de ver cada vez mais se acentua, sendo reflexivo e inconsciente. Não há que corrobore mais o nosso ponte de vista do que a sensação de alívio, verdadeira sensação de segurança de que se sente tornando o indivíduo que aprendeu a não colocar o dinheiro sobre o pedestal de seu ideal.

Já são muitos hoje os que combatem essa corrida louca atrás do dinheiro. É como água do mar: quanto mais ingerida, mais sede nos dá. É talvez a sensação de insegurança, de que toda criatura é mais ou menos possuída, a causa de tanta reserva de dinheiro das quais as pessoas sentem necessidade para enfrentar a vida. Porque, na época em que vivemos, dinheiro é poder. E poder é necessário porque representa segurança. Como diz Adler: ´É o sentimento de inferioridade, de inaptidão, de insegurança, que determina o alvo da existência de um indivíduo”. Logo, é natural que haja procura de dinheiro, se este representa o poder, e portanto, segurança. Daí a concussão entre valores e felicidade. Na vida humana as “existências” são necessárias, não essenciais.

Todos nós já tivemos ocasião de notar jovens e adultos que vivem como se o mundo fosse apenas um prédio de avenida: é só fachada. Apresentam-se como se no universo existissem só duas dimensões: a altura e a largura do ‘quadro’ ou ‘vista’ que fazem. Parece não haver terceira, nem profundidade, nem compreensão. Não é o caso de invejar-se-lhes a sorte, pois enquanto assim permanecerem, elas já figuram como parias da natureza humana sendo, em parte, fruto e semente de decadência das civilizações. Geralmente são eles os representantes sociais da filosofia pecuniária.

A esse tipo de criaturas, a ostentação, o luxo e mais outras coisas que o dinheiro pode dar, ocupam quase todo o lugar reservado para o ideal. É de lamentar porque a felicidade não está numa egoística satisfação pessoal. Há quem diga que a felicidade sempre é a diferença entre o que se consegue e o que se almeja.

Existe algo de verdadeiro nesta perspectiva, mas nossa lógica invariavelmente nos permite supor que um dia conseguiremos tudo. Nesse caso, onde fica a felicidade?

A felicidade, assim como os outros problemas capitais, é de difícil definição. Entretanto, podemos afirmar de maneira irredutível que o homem será mais feliz no dia em que deixar de se escravizar aos apegos, aos preceitos, aos credos que cada vez mais interram sua liberdade de pensar.

Belém, Pará, julho de 1986, (No “vadião” da Universidade Federal do Pará, vislumbrando as atuas do rio Guajará.)

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