sexta-feira, 25 de março de 2011

À memória de Maria das Neves


Maria das Neves,

Da rosa, da trova,

Bem plena de meios,

Sem veios, nem freios,

Cantou os seus cantos

Sem cantos, de prantos,

Sonhando enluarada,

Na terra enxaguada.


Sonhou com violão,

Cordão e canção.

Pegou o estrangeiro

Ligeiro, veleiro...

Rumou pela rua,

E um carro de lua

Lhe ofertou a morte.

Que sina! Que sorte!


É hoje a Maria

Das noites, dos dias,

Dos troncos de fala...

De talas, de balas...

E os céus alterados,

Ribombos, nublados,

De amor enxaguados,

Saúdam Maria

Da neve, da rosa,

Montanha escabrosa,

Da sova, da soda,

Da prova, da trova,

Da turba, da cova,

Da fria... do dia!

terça-feira, 22 de março de 2011

À Marilia de Dirceu


Marília de Dirceu, como eras bela,

Fiel ao sentimento de Tomáz;

Num viajar tranqüilo fez-se estrela,

E iluminou o céu, bem mais e mais.


Marília de Dirceu, como eras bela.

Assim, Antonio não se conformava,

De ter que te deixar e, a toda vela,

O exílio d’além mar já lhe esperava.


A sensibilidade de Gonzaga,

Com amor profundo isolatrado a ti,

Eternizou idílio. E tudo. E nada...


Marília de Dirceu, como eras bela,

Do sul a imensidão... do norte estrela...

De um infinito amor inebriada!

quarta-feira, 16 de março de 2011

Luz e Sal


O monge trapista jovem contempla as espumas de água que catalizam os rebentos de ondas esvoaçante, com toda a força, tentando trepidar nas barreiras protetoras do convento

Luz e sal... areia e espuma... crista e onda... furor e sossego... pesar e melancolia.

No mirar ao longe, algumas aves canoras tendem a pousar, por cima dos telhados do templo. Extasiadas pelo barulho das ondas elas fazem chamego às tartarugas da praia, que se preparam para esconder seus ovos na areia.

A mãe-ave, talvez uma gaivota errante,no alto da torre do campanário faz retirar de suas entranhas um ovo-vida. Está para se repetir o milagre do nascimento.

No mesmo instante que dá à luz um feto, há a repercussão do barulho metálico do sino, no interior da torre-mor, despencando de cima para baixo o inusitado sopro de vida, espatifando-se em seguida o ovo.

O tocar do bronze que deu vazão à tragédia foi feito pelo sineiro do convento, para anunciar o ofício religioso dos monges trapistas, em honra e louvor à Virgem Maria, mãe de Jesus.

domingo, 13 de março de 2011

CONSUMANDO... CONSUMINDO...


No pranto de dor ele está. No palco desenrola-se o drama da vida. Nenhuma novidade, a não ser os aborrecimentos de sempre: a conta da luz que está atrasada, o assalto na esquina, a conta da mercearia ao lado já está na sétima folha; cigarros dos transuntes a dar fumarolas frívolas no ar, e aquela chateação dos mesmos programas de TV, onde a repetição de melodramas se faz freqüente. Se sai, encontra o rastro de dores na rua, o esterco e o pó multicolorindo o ambiente festivo de ruas e mangueiras. Logo mais, à rua principal do lago da Praça de Nazaré, em letras garrafais dos liminosos, a propaganda do último filme de sexo explícito, contrastando com o espetáculo co conjunto arquitetônico do templo religioso.

A peça continua, não pode parar. De vez em quando, nos intervalos comerciais, a propaganda nua e crua do consumo e os rumores continuados das bocas sedentas de beijo, inebriadas de cerveja. O som louco e o barulho infernal dos carros guiados por motoristas loucos, aos berros pela estrada, ou o movimento cadenciado, neste instante, de corpos que se entrelaçam num frenesi de amor, nessa relação ativo-passiva da adolescente que, nua, entrega o seu corpo e se deleita com o do amante; e logo mais o gozo, pseudo-sensação temporária de prazer. Nas catacumbas dos cemitérios, alguns espíritos se preparam para mais uma noite de assombração. A prostituta dá os últimos retoques no cabelo, e começa o prazer do homossexual em seu apartamento, à espera do “bem-amado” que atrasa o compromisso na calada da noite. Também a adepta de Lesbos está exausta: já é o décimo cigarro que consome em poucas horas, e sua amada não dá sinais de vida.

O poeta compõe, na tristeza e no silêncio do quarto. O maestro olha, de seu leito, a batuta pendurada, e revisiona uma partitura musical para o próximo concerto. O guarda-noturno ressona, sintonizado na FM de uma emissora local. O presidente da República revê o discurso inaugural a ser lido no próximo evento cívico.

Alto-mar, e a Marinha lança o aviso de advertência ao pesqueiro estrangeiro que invade as águas territoriais. Sua Santidade Católica Romana está num sono reparador via Vaticano. O filósofo consome Kant e Spinosa. O pastor revisiona seu sermão para a Escola Dominical do Templo Central da 14 de março. Os assaltantes, o gari, o vagabundo, o ladrão de galinhas, o tarado.... o político... todos estão ocupados em sua faina diária.

Nos quartéis as sentinelas dormitam e as mulheres vomitam nos sanatórios tisiológicos. Enfim, tudo em ordem. Todos fazendo alguma coisa, do louco ao sadio, do soldado ao detento, do lobo ao cordeiro, do religioso ao leito. Todos, até eu aqui, com uma leseira de sono, para completar esta croniqueta, por um acaso, você está lendo. Boa noite!